Histórias Histórias | Capítulo II Médio Tejo

Rui Santos, Rural Move

Nasceu em Angola, mas viveu muitos anos em Braga, e foi na região Norte que se formou e que começou a trabalhar, sempre ligado à produção têxtil. O trabalho acabaria por levá-lo até Berlim com 25 anos, lugar a que chamou casa durante 14 anos. Mas hoje, foi na sua casa em Mação que nos recebeu. A umas boas centenas de quilómetros de Braga e a alguns milhares de Berlim, mas num espaço que não poderia ser mais seu, onde cada objeto parece ter uma história e onde os vários mundos que o habitam a si, parecem ali viver em perfeita comunhão.

Depois de mais de uma década a viver na Alemanha, sentiu que estava na hora de partir e começou aí a sua procura por uma casa em Portugal. Por coincidência, apareceu aqui esta casa à venda, eu nem sabia onde ficava Mação. Estive 18 meses em Abrantes na tropa mas nunca aqui tinha vindo. Vim ver a casa e apaixonei-me logo por ela, desde 2018 que vivo aqui. Com o regresso a Portugal decidiu começar a trabalhar como consultor e esse facto tem-lhe permitido usufruir de um certo nomadismo do qual já não abriria mão, o meu trabalho permite-me trabalhar um pouco à distância, estar aqui temporadas, estou também temporadas em África, depois volto para cá ou para Berlim, é um pouco este intercâmbio de cidades. 

O dia a dia em Berlim desconstruiu por completo a sua percepção das distâncias, e nesse sentido um possível isolamento com a mudança para Mação não o intimidou.  Eu chego a Berlim, por exemplo, chego ao aeroporto e demoro o mesmo tempo do aeroporto até minha casa lá que demoro de Lisboa até esta minha casa. Em 2018, quando efetivamente aterrou ali, nem tudo foi um mar de rosas. Deparou-se com um certo marasmo na vila, um cheiro a mofo que se podia sentir na rua quando certas casas eram abertas depois de muito tempo fechadas, e uma população muito envelhecida. Mas rapidamente lhe viu não só um enorme potencial, como um sem fim de vantagens. A proximidade, a qualidade de vida de estar num meio pequeno em que numa 1h30 tenho de ir à Câmara, ao advogado e às finanças e faço tudo sem marcações e a pé. Os ovos caseiros, o pão que te vêm trazer à porta. E depois o fator tempo também é extremamente importante, a luz do sol é fantástica, a natureza. Nós adoramos a feira das Mouriscas, se há coisa que é sagrada todos os domingos é irmos ao mercado.

Desde 2018 até aos dias de hoje, consegue perceber que muitas coisas foram mudando positivamente na vila e que o sentido é que isso continue a acontecer. Por querer ter uma participação ativa e por sentir que vivendo ali também deveria dar o seu contributo à comunidade, procurou a existência de alguma associação com a qual pudesse cooperar, e foi aí que conheceu a Rural Move. Foi assim que num primeiro momento se tornou gestor de comunidade em Mação, fazendo atualmente parte da Coordenação da Associação. Embora admita a existência de outras associações na vila e em redor, sente que funcionam na sua maioria como ilhas, e nesse sentido, a Rural Move surge como um elemento aglutinador. No meio disto tudo, desde que cá estou, 12 casas já foram vendidas para pessoas amigas e conhecidas e hoje o nosso grupo é cada vez maior e com maior número de nacionalidades diferentes. 

No contexto da pandemia e principalmente no seu pós, começou a perceber novas movimentações e novas dinâmicas na vila. Esta rua de trás estava toda à venda e agora não vês uma única placa a dizer “vende-se”. As pessoas foram adquirindo as casas e remodelando-as, ou seja, há aqui uma preocupação, uma melhoria significativa. A Câmara também fez agora a requalificação do cine teatro que ficou muito bem e também estão a dinamizar essa parte cultural. Sabe que para muitas pessoas a sua voz pode ser desconfortável por ser alguém naturalmente crítico, mas vive perfeitamente bem com isso por estar consciente de que o faz apenas com interesse num bem maior e não em proveito próprio. O nosso objetivo na Rural Move é trazer pessoas e empresas e ajudar as comunidades a prepararem-se para receber bem as pessoas. Esta é uma grande oportunidade de deslocalização dos escritórios dos grandes centros para estas zonas do interior.
O futuro não é algo que faça por planear ao pormenor,não é essa a sua essência, mas neste momento assume como certo a vontade de se manter a viver na vila. Temos aqui umas dinâmicas muito engraçadas e quando isso se multiplicar pelos eventuais negócios que vão acontecer, por escritórios que eventualmente vamos abrir aqui, um projeto de coworking space, uma loja, umas casinhas para alojamento, será ainda melhor. A verdade é que a sua casa já é só por si um pólo atrativo para muitos, e não é por isso de estranhar que com a constante entrada e saída de pessoas muitos se questionem se não se trata afinal de um hostel. Já estamos a preparar o nosso Natal, amanhã já vão chegar 3 amigos da Alemanha que compraram aqui também uma casa e vão ficar até dia 29, e também está cá uma amiga da Holanda que vai ter a casa pronta em princípio para o ano, então já estamos a dizer que o próximo Natal será na casa dela. Mais do que uma pequena comunidade, percebemos que existe ali uma pequena família e na despedida ficou a certeza de que os próximos tempos a farão crescer ainda mais.