Histórias | Capítulo I Viseu Dão Lafões

Pompeu José, ACERT

Foi numa sexta-feira solarenga, no início da tarde, que chegámos à cidade de Tondela. O encontro estava marcado na ACERT, Associação Cultural e Recreativa de Tondela, e na hora prevista, o Pompeu estava lá para nos receber. Começámos com uma visita pelas instalações, cruzando-nos com uma série de outros protagonistas do dia a dia deste espaço e isso tornou claro o dinamismo e efervescência que corre neste lugar. A todos eles, o Pompeu parou para cumprimentar, roubando sempre sorrisos com a sua evidente boa disposição. Finda a visita, foi no jardim da Associação, que nos sentámos calmamente para conversar.

O Pompeu nasceu em Setúbal e foi lá que iniciou a sua incursão no mundo do teatro, num projeto chamado “Projeto da descentralização teatral”, na recém formada companhia “Teatro Animação de Setúbal”, corria o ano de 1979. Acumulava funções de secretariado e contabilidade porque dispunha desse conhecimento e ainda hoje assim é. Em 1987, conhece o teatro “O Bando” de Lisboa, com uma dinâmica artística muito aberta, composta por pessoas bastante aguerridas e acaba por surgir o convite para que faça parte, acabando por se manter lá durante 6 anos. Quando as casualidades da vida e neste caso do teatro o trouxeram até Tondela, ficou agradavelmente surpreendido com o que ali se fazia e além de regressar a Lisboa apaixonado por aquela terra, regressou também apaixonado por uma Tondelense, que viria a ser a sua mulher, a Carla.

Entretanto, em 92 recebemos um apoio pontual para o grupo de teatro de amadores daqui, e eu fui conhecendo o projeto, fui-me apaixonando por isto com um grande entusiasmo, e arriscámos em fazer uma candidatura para profissionalizar a companhia, e profissionalizámos, e eu vim em 1993 para cima. Hoje sou daqui e penso que com duplo reconhecimento: sou daqui por opção minha e por aceitação da comunidade. Apesar de Pompeu ter nascido e crescido em Setúbal onde os seus pais trabalhavam, as suas origens remontam a uma aldeia chamada Carragosela, perto da Tábua. Quando os seus pais se reformaram foi para lá que voltaram, e essa série de acontecimentos deu um novo sentido à sua mudança para Tondela. O facto de terem trabalhado desde o primeiro momento de portas abertas, deu um sentido de confiança e pertença à comunidade onde se inserem e o culminar desse sentimento, chegou com a transformação de um ritual muito antigo em Tondela a Queima e Rebentamento do Judas. O grupo pegou nesse evento anual e elevou-o. Hoje essa data envolve todo um espetáculo, com a criação de um boneco gigante que representa sempre os males relativos a esse ano, fogo de artifício e envolvimento de todo o tipo de artistas. Portanto, para nós o que é que isso nos trouxe: uma noção grande de que éramos capazes de trabalhar a partir da comunidade e para a comunidade. 

Seguiram-se inúmeros outros projetos, onde a fasquia foi sendo cada vez mais alta, pela dimensão das estruturas que foram criando, mas acima de tudo pelo esforço que foram dedicando a todos eles, sem nunca perderem o norte à sua essência e ao que os unia. Neste momento são 15 as pessoas que ali trabalham a tempo inteiro, sendo que muitos chegaram ali ainda jovens e hoje estão casados e com famílias constituídas. Aqui é tudo muito mais fácil, comes melhor, bebes melhor e os amigos são amigos mesmo. Não tenho dúvidas de que o futuro está no interior. Quando a sua mulher, também atriz, acaba por falecer, deixando Pompeu com o seu filho de 7 anos, foi preciso tomar uma decisão, e Pompeu não hesitou, decidiu ficar em Tondela. O apoio que sentiu por parte não só dos seus colegas mas da comunidade, fez com que rapidamente percebesse que não haveria outra decisão possível.

Foi em 1999, que se estreou pela primeira vez a sério em televisão, com a série “Jornalistas”, sendo que antes desse momento tinha tido apenas um papel menor como jornaleiro num filme da RTP1. Nunca ambicionou fazer televisão, a sua paixão era e sempre foi o teatro, mas acabou por arriscar e desde aí que praticamente nunca parou. O essencial foi e continuará a ser, nunca se desligar do trabalho na ACERT e é por essa razão, que mesmo estando neste momento a gravar uma novela, a sua casa se mantém fixa em Tondela. Pega no autocarro e vai, grava as suas cenas e assim que terminam regressa novamente. Embora seja evidente o carinho que tem pelas novelas, são os outros projetos que fazem os seus olhos brilhar, como “A Viagem do Elefante” onde conta que em cada lugar que chegavam, montavam o elefante na véspera e reuniam com quem quisesse participar da própria localidade, as pessoas podiam nem perceber tudo o que a gente diz, mas estão ali – estão a celebrar, e o teatro ganha. 
Pompeu veste a camisola da Associação com um espírito de missão e de propósito, mas acima de tudo com sede de continuar a fazer sempre mais, de ir ainda mais longe e de manter firme o espírito dinâmico e irreverente deste grupo, sempre com o cuidado de reforçar a premissa do envolvimento direto e participativo da comunidade onde se inserem. Tondela traz-me isto, esta vontade grande de continuar aqui, de continuar a lutar não pelos meus valores, porque por esses lutarei sempre, mas por esta ideia coletiva de que é possível viver socialmente num meio pequeno e ter esse luxo de todos os miúdos da escola verem um espetáculo ao vivo.