Histórias | Capítulo I Região de Leiria

Pedro Redol, Mosteiro da Batalha

Antes de chegarmos ao encontro de Pedro Redol, o sentimento que nos assola é o do enorme privilégio que deverá ser, o de poder trabalhar num lugar como este. O Mosteiro da Batalha está imerso numa mística difícil de explicar por palavras, tal é a força com que a sua magnitude visualmente nos esmaga. Por mais adjetivos que pudéssemos usar para caracterizar a sua beleza, o esforço ficaria sempre aquém desse exercício e a própria pertinência de o fazer se tornaria assim moribunda por se antever um resultado sempre artificial e sem fidedignidade. É por essa razão que tendemos a um silêncio quase cerimonial quando estamos diante dele, silêncio que se viria a quebrar por completo durante o encontro com Pedro, Curador do Museu, e um conversador inveterado. 

Pedro nasceu em Tomar, mas com pouco mais de 1 ano de idade acabaria por mudar-se para o Porto em consequência da profissão do pai enquanto militar. Contudo, dois anos depois mudar-se-iam novamente, desta feita para Coimbra, lugar onde Pedro viveu até terminar a sua licenciatura em História de Arte. A sua rebeldia assumida fez com que não se revisse num sistema educativo à época ainda tão autoritário e conservador, onde via a sua liberdade de pensamento ser de alguma forma espartilhada, e isso faria com que se fosse afastando da ideia de continuar na academia. Finda a sua licenciatura, teve a oportunidade de iniciar um estágio em Conservação de bens arqueológicos e etnográficos em Conímbriga, e foi no término desse estágio que surgiu pela primeira vez a possibilidade de trabalhar no Mosteiro da Batalha, onde ficaria durante dois anos enquanto Coordenador do curso de Restauro de Monumentos de pedra. Em 1987 fala-nos de uma Batalha brutalmente diferente da que conhecemos hoje, onde escasseavam espaços de lazer, e onde os acessos eram ainda de alguma forma rudimentares, o que fez com que esse primeiro encontro não se tornasse uma história de amor à primeira vista. 

Apesar de essa primeira experiência na Batalha não ter sido de todo perfeita, foi durante esse período que conheceu alguém que marcaria para sempre o seu percurso, tive a sorte de trabalhar com uma pessoa extraordinária que já não é viva, que foi o Mestre Alfredo Ribeiro, que foi como o meu pai no trabalho, e que foi aquela pessoa que fez com que eu gostasse muito do Mosteiro, e que depois tivesse dificuldade em me ir embora daqui. Após esses dois anos surgiu-lhe a oportunidade de trabalhar enquanto professor assistente de História de Arte Medieval, no Instituto de História de Arte da Universidade de Coimbra, e apesar de ser algo que queria muito, acabou por recusar. Na sua ótica o meio académico é bastante corporativo e burocrático, envolve pouca proximidade em relação ao objeto de estudo e oferece pouco tempo que possa ser dedicado à investigação, uma das suas grandes paixões. Acabaria assim por ficar na Batalha por um período de 12 anos, até que uma nova oportunidade o levaria para junto do grande monumento da sua infância, o Convento de Cristo. Embora existisse essa ligação umbilical, alinhada com as memórias de infância dos muitos passeios que o avô por lá fazia com ele e o seu irmão, rapidamente percebeu que gostava mesmo era de trabalhar na Batalha, e aí regressou. Pelo caminho ainda voltaria a Coimbra, enquanto Diretor do Museu Machado de Castro, mas essa, tal como as outras experiências, só foram tornando mais evidente o quanto queria de facto ficar na Batalha, onde continua ainda hoje como Curador do Mosteiro, 34 anos depois. 

Em vários momentos poderia ter decidido viver noutro lugar, inclusive em Lisboa, por onde também passou, mas a Região Centro viria a falar sempre mais alto. Inicialmente viveu mesmo na Batalha junto ao Museu, depois em Ourém e, mais recentemente, mudou-se para Leiria. Para Pedro existem algumas razões lógicas que podem explicar o seu fascínio pela Batalha, o Mosteiro da Batalha é o grande monumento gótico português e foi a grande escola de todas as artes no século XV, claro que isso também teve a sua importância no desenho do meu percurso porque eu especializei-me nos vitrais do século XV e XVI de que temos restos consideráveis aqui no Mosteiro que não existem noutros sítios, portanto isso já era uma razão importante. Mas como acontece na maioria das vezes, as razões mais fortes são sempre aquelas que inferem no nosso bem estar, e percebemos que são essas que verdadeiramente o impedem de residir noutra morada. Viver no Centro, além de obviamente possível, é benéfico e favorável. Aqui, além de ter criado uma família de amigos, tenho tempo para estar com eles. Tenho tempo para passear com o meu cão, tempo para explorar lugares incríveis como a Serra de Aire por exemplo e claro, esta costa fantástica. 

A serenidade com que nos levou a passear pela sua vida durante esta conversa reflete a qualidade de vida que afirmou ter encontrado aqui. Algures terá usado inclusive a expressão “renova-me as energias”, como forma de explicar o bem que se sente por trabalhar e viver neste território. Eterno estudante, no sentido em que dedica grande parte do seu tempo à investigação, mas também eterno professor, no sentido em que tira grande prazer em partilhar esse mesmo conhecimento com os outros. Para Pedro, viver no centro do país é ter acesso a uma liberdade de que necessita para criar e pensar, e que não conseguiu encontrar noutros lugares, por essas e por todas as outras razões, esta é a sua casa.