Nuno Rodrigues, Casal da Coelheira
Foi nas margens do Rio Tejo, junto à vila de Tramagal, que fomos descobrir o Casal da Coelheira. Com uma área com aproximadamente 250 hectares, onde as vinhas são a mais visível mancha, esperava-nos o Eng.º Nuno Rodrigues. Era já final da tarde, e apesar de lhe conseguirmos ler algum cansaço no rosto, recebeu-nos num tom bem disposto e disponível, típico de quem gosta de abrir as portas de sua casa e de mostrar algo por que nutre grande orgulho. Pediu que o seguíssemos até à sala de provas, lugar onde somos imediatamente confrontados com os mais diversos prémios que foram conquistando ao longo dos anos, e foi aí que nos sentámos confortavelmente, para mais uma viagem.
Começando por fazer referência ao propósito da nossa visita, confessa-nos que, em boa verdade, deveria ser a sua esposa Margarida a interlocutora desta conversa, já que foi ela, alfacinha de gema, que abandonou a cidade grande e se rendeu aos encantos do Médio Tejo, ela diz com muita facilidade e naturalidade, que hoje não trocaria a vida de Abrantes por um regresso a Lisboa. Ao contrário da sua esposa, Nuno nasceu e cresceu em Abrantes, e embora se sinta um eterno Abrantino, hoje considera-se também um Tramagalense adotado. Mas comecemos pelo início, e pela quinta dos seus avós, elemento fundamental e precipitador de toda a história que se seguiria.
A sua família esteve sempre ligada à agricultura, e essas vivências que tinha durante as suas férias na quinta foram criando uma certeza quase absoluta de que o seu futuro profissional passaria por aquela área. Eu fui uma criança e um jovem um bocadinho fora do comum no sentido em que nunca tive aqueles sonhos mais ingénuos de querer ser piloto de automóveis, astronauta, bombeiro ou polícia e tive sempre uma ideia fixa que foi estar na terra e estar na agricultura.
Com a partida dos seus avós, a sua família herdou uma propriedade relativamente perto do lugar onde hoje nos encontramos. Pelo facto de essa mesma propriedade estar dentro da zona de intervenção do campo militar de Santa Margarida, a certa altura o Estado decidiu alargar a sua área de intervenção e decidiu comprar a exploração. Por ser filho único, e por ter essa ideia fixa de querer estar ligado à agricultura, os seus pais decidiram investir esse dinheiro e comprar o Casal da Coelheira, que coincidentemente se encontrava à venda. Nessa fase, o Nuno estava já a estudar em Castelo Branco, o Bacharelato em Produção Agrícola. Embora o Casal da Coelheira possuísse vinhas, ocupavam uma pequena área e eram de fraca qualidade, pelo que a ideia inicialmente foi a de as arrancar. Contudo, três anos depois, surgiu a possibilidade de comprar outras vinhas vizinhas, juntamente com a adega onde hoje nos encontramos, e esse foi o momento de viragem. Outra feliz coincidência foi que eu estava a terminar os meus estudos e tive a oportunidade de fazer uma espécie de Erasmus, numa estação de investigação em França dedicada à enologia. Quando regressei o bichinho era maior e portanto acabei por decidir ingressar no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, onde fiz a minha licenciatura em Engenharia Agro-Industrial, mas sempre com foco muito grande nos vinhos.
Durante dois anos o Nuno esteve dedicado à investigação, num total de 7 anos em que viveu em Lisboa, até que percebeu ter chegado a hora de regressar ao ninho. Nesse regresso, Nuno volta já casado e com a sua primeira filha, Leonor. Embora tenha sido apenas nesse ano de 2000 que regressa de armas e bagagens a Abrantes, já fazia essa viagem quase todos os fins de semana como forma de ir seguindo os trabalhos mais de perto. Foi também nesse regresso que percebeu a necessidade de encontrar, embora de forma temporária, um enólogo experiente, que pudesse potenciar o crescimento do projeto. Para a sua esposa, essa mudança foi de alguma forma brutal, já que tinha vivido sempre na capital e não conhecia ninguém em Abrantes. Mas, tal como Nuno havia referido inicialmente, a adaptação acabou por ser fácil e hoje é ela quem muitas vezes admite já não conseguir imaginar a sua vida noutro lugar. Já nenhum de nós trocava Abrantes por Lisboa. Conseguir ir almoçar a casa todos os dias, levar os miúdos à escola, chegar a casa a horas decentes mesmo saindo tarde, porque não fico preso no trânsito, é uma qualidade de vida muito interessante e difícil de atingir nas cidades grandes.
Hoje, mais do que um local de trabalho, o Casal da Coelheira – cujo nome se acredita ter surgido pela abundância de coelhos que ali existem – é um projeto de família. Além da evidente paixão que Nuno transmite pelo mundo dos vinhos, é acima de tudo a serenidade com que vive aquele espaço e tudo o que ainda sonha para ele, o que de forma mais clara nos transmite ao longo de toda a conversa. O que também se torna inequívoco é que, se o projeto estivesse sediado noutro lugar qualquer, nunca poderia ter os contornos que hoje lhe vemos. É nesse conjunto de idiossincrasias do território, das suas pessoas e das suas vivências, que ele vai crescendo e florescendo, sendo essa de facto a sua identidade. A sensação de suposto isolamento do interior eu não a sinto, mas sinto um isolamento qb. no sentido da tranquilidade, poder abrir a janela e ouvir os passarinhos e o galo a cantar. Essa sensação revigorante de estar com a natureza é essencial para o nosso bem estar físico e psicológico e eu tenho o privilégio de encontrar tudo isso aqui.