Beira Baixa Histórias | Capítulo I

Anabela Martins e Rui Marcelo, Moinho do Maneio

A 8km de Penamacor, junto à área protegida da Reserva Natural da Serra da Malcata, sob um relevo ondulado, envolvido pela presença de bosques e áreas de matagal, fomos conhecer o projeto de turismo rural, “Moinho do Maneio”. Ali, o primeiro sentido que se aguça é o da audição, por sermos invadidos por aquilo a que habitualmente chamamos de barulho do silêncio. Ao mesmo tempo existe também um desligar imediato do mundo e uma aproximação à natureza e ao campo. É neste estado de espírito de grande serenidade e comunhão com o cenário envolvente, que vamos encontrar a Anabela e o Rui, os fundadores do projeto e proprietários deste espaço, e é pela mão deles que seguimos nesta viagem.

A vida profissional empurrou-os para Lisboa, Anabela enquanto engenheira e Rui enquanto jornalista, mas as origens e o coração estiveram sempre firmes a este território onde regressavam sempre que lhes era possível. Anabela e Rui conheceram-se num baile de finalistas em 1990 e desde esse primeiro momento que as suas vidas se têm mantido cruzadas. Apesar de o desejo ter estado sempre latente, foi apenas em 2002 que compraram este terreno à família do pai de Rui. Nessa altura essa compra tinha como principal objetivo o de poderem ter o seu próprio espaço, evitando ter de ficar sempre em casas de família a cada visita. Contudo, lá no fundo, a ideia de poderem criar um projeto turístico já pairava no ar. Não havia água, não havia luz, nada. Nós devíamos também escrever um livro, porque já houve tanto… por exemplo, durante muito tempo, funcionámos só com energia solar e com um gerador. Nós para tirar um simples café era com o gerador. Não era um café com cheirinho, era um café com barulhinho porque tínhamos de ligar o gerador. Foi assim que começou o “Moinho do Maneio”, literalmente do zero. 

Há aqui palavras mágicas nisto. Foi “sonhar”. A partir de determinada altura começámos a sonhar que isto podia começar a ser possível. Comandados por esse sonho, arregaçaram as mangas e começaram esta aventura, arriscando, mas sempre através de pequenos passos e prevendo e antecipando todos os desfechos. Só em 2005 é que recuperaram a primeira casinha, que é agora a “Casa do Alecrim”, para quando vinham aos fins de semana e nos período de férias. Em 2008 começaram então a alugar porque já tinham a “Casa Pipa” também, mas ainda recorrendo apenas ao boca a boca, e recebendo amigos de amigos maioritariamente. No ano seguinte tornam-se oficialmente um alojamento local e desde aí que nunca mais pararam, embora tenha sido apenas em 2012 que deixaram Lisboa de vez, passando esta a ser a sua morada. 

O percurso foi acidentado, com muitos projetos dentro deste que foram falhando, muitas desilusões com pessoas em quem decidiram confiar, muitos imprevistos e alguns retrocessos. Embora nunca tenham visto este alojamento como uma forma de enriquecerem, a gestão nem sempre foi fácil e existiram fases de algum sufoco e de muitos sacrifícios. Apesar disso, nunca sentiram qualquer arrependimento nesta decisão e juntos sempre foram conseguindo superar todas as dificuldades, muito graças ao sentido de perseverança que partilham. Não é por isso de estranhar, que pelo meio tenham tido a vontade e a coragem de começar um outro projeto, desta vez na área da agricultura. Ainda em 2012, nasce a “Belaberry” uma marca de produção, comercialização e exportação de framboesas e seus derivados. Mais uma vez foi através do boca a boca que conseguiram arrancar com o projeto, mas depressa ele se foi difundido por outros canais e também outros produtos foram nascendo dele, como os licores. 

Nós a cada ano que passa, pelo menos, fazemos mais uma obra. Tanto que há uma característica que eu acho que nunca acaba, nós estamos sempre em obras. Este desassossego que parecem ter em comum, fez com que em 2016, além de terem construído a piscina, tivessem criado aquele que viria a ser um dos principais chamarizes deste lugar, “A Bolha”. A Bolha não é nada mais nada menos que uma tenda com esse formato, transparente à frente e em cima e que, por isso, nos deixa adormecer a ver o céu estrelado. Mas existem muitos outros elementos que tornam este lugar particular e apetecível, como os amigáveis cães que nos recebem à chegada, a pequena ribeira da Bazágueda a uns escassos metros e os passeios de canoa, a liberdade dos passeios de bicicleta ou o trampolim gigante.

As visitas a Lisboa mantêm-se constantes principalmente para o Rui, para a comercialização dos frutos que ali produzem, mas Lisboa passou a ser apenas um destino e não mais uma morada. Esta aventura tem sido reconfortante porque vivemos num pequeno paraíso, trabalhamos para nós, o stress é nosso, usufruímos na medida do possível e temos feito muitos amigos. Foi uma opção ótima. Vive-se com menos mas vive-se muito melhor. Hoje é no centro de Portugal, particularmente nesta região da Beira Baixa que pretendem permanecer, continuando a investir num território que tanto lhes diz e com o qual tanto se identificam. É só preciso ter tenacidade e acreditar.