Micael Silva, De Raíz

Foi no meio da natureza, em plena sintonia com o meio envolvente e com a banda sonora que tão bem o carateriza, que fomos encontrar o Micael. É imediatamente percetível o quão bem o Micael se sente naquele lugar e o quanto lhe parece pertencer, não no sentido de apropriação do espaço, mas de perfeita comunhão com ele. Logo nas primeiras palavras é notória a paixão que nutre pela forma de estar que ali encontrou e por aquilo que de alguma forma se veio a tornar o seu propósito, a sua missão. Assim começou esta conversa, num misto de grande tranquilidade mas também de grande entusiasmo.
Nasceu e cresceu na vila da Maceira, e as vivências desse lugar marcariam em grande parte o rumo da sua história e o percurso que viria a trilhar. A bicicleta sempre foi uma companheira de viagem e de exploração e recorda-se principalmente dos passeios que fazia com o seu pai e da fruta que iam colhendo pelo caminho, naquilo a que chamava de “voltas recoletoras”. Ainda hoje me lembro das voltas que dava dos 13 aos 18 e das frutas que apanhava e onde é que elas estão. Esse Micael e o de agora são idênticos. Foi desde sempre um miúdo carregado de energia, para quem estar sossegado era um problema. Era na rua e principalmente na natureza que se sentia no seu elemento, como se de um chamamento se tratasse.

Quando chegou o momento de escolher que curso seguir no ensino superior, a escolha recaiu sobre algo que parecia englobar vários dos seus interesses, e foi assim que rumou a Rio Maior para ingressar na licenciatura em Desporto de Natureza e Turismo Ativo. Ao longo da sua vida sentiu vários clicks que o foram empurrando até ao universo onde hoje se move, e um dos primeiros foi exatamente na Faculdade, numa cadeira que era desporto e ambiente, o professor falou nos impactos ambientais das atividades de turismo e aquilo deixou-me a pensar, depois o derradeiro click veio quando terminei o curso e fiz uma viagem de seis meses pela Ásia.
Nessa grande viagem passou pela Turquia, Índia, Nepal, Tailândia, Camboja, Vietname, Laos, Malásia e Indonésia. Foi esta viagem que lhe trouxe a certeza de que queria estar ligado à terra e também onde aprofundou os seus conhecimentos sobre a permacultura enquanto filosofia que promove trabalhar com e não contra a natureza – foi durante essa viagem que teve algumas experiências em lugares onde esta se praticava, que viria a complementar posteriormente com formações na área. Para mim, era super claro que as pessoas que mais entregavam e mais davam e mais te recebiam bem e partilhavam, eram as que tinham mais ligação à terra.

Há três anos começou a sua própria aventura, após ter bebido saberes de todos esses países e também das muitas pessoas com quem se foi cruzando. Pegou num terreno com aproximadamente 4000m2 e com um historial terrível de agricultura industrial e intensiva e começou a tentar regenerá-lo e dar-lhe vida. Percebeu que precisava de alimentar aquele solo e começou por pedir restos de comida às pessoas, criou um vermicompostor com minhocas e depois um compostor orgânico que alimentava de folhas que apanhava e guardava. Como auxiliar e acelerador desse processo, começou a ter também cabras e galinhas, um cavalo e um burro. A melhor forma de voltares ao equilíbrio é a biodiversidade. Depois, no espaço de dois anos, passaram por mim mais de mil e quinhentas espécies diferentes. No meu terreno neste momento estão cerca de 700 espécies estáveis que eu introduzi.
Para a introdução de todas essas diferentes espécies, o Micael contou acima de tudo com a troca de sementes com outras pessoas. Chegas a um ponto em que percebes que tens aqui uma economia tão forte e tão crescente. Uma planta, em média, dá-te 1000 sementes. Estas a ver a quantidade de oportunidades que tens? Se eu partilho dessa planta com 10 pessoas e se essas 10 pessoas forem fazer o mesmo! Foi num desses encontros nacionais que contou ter conhecido o seu maior professor, Jaime, que lhe ensinou a saber interpretar um terreno, saber o que lhe está a acontecer e do que ele necessita. Lembra-se de um momento em particular que o marcou: estava a surgir no seu terreno uma planta que toda a gente que lhe dizia ser uma praga e para a qual deveria usar herbicida, e quando o Jaime olhou para ela disse-lhe de imediato, esta aqui é a tua melhor amiga.

Depois de ter criado uma horta, um bosque de alimentos e uma agrofloresta a partir de um solo despido, compactado, poluído e sem árvores, nasceu o seu projeto “De Raiz”, um projeto de permacultura, sustentabilidade e educação ambiental. Senti que tinha de partilhar isto. Isto tem de ser feito em mais lados. E já há quase dois anos que comecei a juntar pessoas e a mandar este tema para o ar. Se calhar no espaço de um ano falei com mais de mil pessoas sobre isto. Para Micael, a mudança de paradigma que necessita de acontecer deve começar pelas crianças, e ele quer ter um papel ativo nessa missão.
Para um futuro próximo quer criar caminhadas interpretativas, com identificação de plantas e com leitura de natureza e ter um alojamento local e agroturismo e claro, continuar a ensinar e a transmitir o máximo de conhecimentos sobre isto. Por agora é no Centro Portugal que quer manter esta sua viagem, criando ali uma base que depois possa levar até outros lugares.
