Manu Romeiro e Fábio Superbi, São Miguel de Acha
São Miguel de Acha, uma pequena freguesia do concelho de Idanha-a-Nova revelou-se uma surpresa dentro do universo tão singular e diverso da região centro. Ruas estreitas vão desembocar em bonitos largos que criam círculos entre as casas, como se fossem pequenos recreios. Flores nas soleiras de todas as portas, paredes de pedra e o charme típico de lugares por onde o tempo passa devagar. Foi nesse momento de deslumbramento que começamos a ouvir os risos do Fábio e da Manu, e de passada rápida em fuga do calor, entrámos na Casa da Cultura e demos início a uma viagem.
Ambos a viver e a trabalhar em São Paulo, conheceram-se há 7 anos enquanto partilhavam o mesmo espaço de coworking e desde aí que partilham a vida e a arte. A vinda para Portugal aconteceu em 2017 com um propósito inicial, o de a Manu tirar o mestrado em Pintura na Faculdade de Belas Artes em Lisboa, e o Fábio poder calmamente trabalhar enquanto marionetista e contador de histórias. Não existia nenhum plano além de ficarem durante todo o período do mestrado, mas a verdade é que a possibilidade do regresso ao Brasil se foi dissipando. Foi através de uma amiga que em 2018 conheceram a aldeia de São Miguel de Acha pela primeira vez, onde ficaram a passar essa passagem de ano, e no ano seguinte decidiram repetir a experiência. Até esse momento a aldeia era apenas um lugar onde ambos gostavam de estar, mas rapidamente perceberam que afinal de contas, viria a significar bem mais do que isso.
Tendo de deixar o terceiro apartamento em Lisboa, começou a surgir a ideia de que seguissem para outras paragens, e de repente a próxima morada parecia de alguma forma já estar escrita. A chegada da pandemia em 2020 fez acelerar o processo de decisão e foi assim que chegaram à aldeia, ficando os primeiros 4 meses numa residência artística por intermédio de amigos. A “casa do campo”, como carinhosamente lhe chamam, ficava a mais ou menos 2 km da aldeia, não dispunha de energia elétrica e a água era apenas do poço. Havia um gerador que funcionava um dia sim e 20 dias não. Voltámos a descobrir o mundo. Eu a ler o que lia antes e a dormir bem, sem mais distrações (Fábio). Foi incrível morar no mato, conhecer os pássaros da região como a pega-azul, as salamandras de cores vivas, as corujas.
Apesar de se terem apaixonado por essa casa de campo e pela disponibilidade de criação que a mesma lhes dava, houve necessidade de virem para a aldeia, de forma a conseguirem corresponder aos vários projetos que desenvolvem com outras cidades e também com outros países. Mas até hoje não temos planos exatos. Não sabemos vamos só vivendo, mas diria que nos próximos dois anos ficamos aqui na aldeia de certeza. Gostámos muito e fomos muito bem recebidos. Cada esquina é uma conversa. Aqui temos espaço e isso é incrível, nesta casa onde estamos agora temos um atelier para cada um de nós.
O facto de se sentirem de alguma forma devidamente instalados e com vontade de permanecer, levou a Manu a querer desenvolver um dos seus projetos, mas desta vez podendo aprofundá-lo. Foi assim que nasceu o “Retrato Falado”, filho de uma performance e intervenção artística que já desenvolvia há vários anos, trocando retratos por histórias, mas desta vez com a ajuda de Fábio. Durante quatro meses, a Manu desenhou mais de 50 pessoas da aldeia e gravou histórias que lhe contaram durante esse processo, o que importa é o encontro, a pessoa leva o desenho e eu gravo a história. É uma troca, um processo artístico conjunto. Finda essa primeira parte, o Fábio transcreveu-as e fez algo a que chama de “transcriação”. O resultado que hoje pode ser descoberto na Casa da Cultura é um retrato coletivo pintado em tecido e costurado por uma senhora da aldeia que tem como pano de fundo a voz de Fábio enquanto contador dessas histórias. A premissa foi construir uma história coletiva a partir de histórias individuais e criar uma onda narrativa e não algo com princípio meio e fim.
Num mundo que corre a uma velocidade cada vez mais furiosa, onde o tempo parece sempre pouco e a lista de coisas para fazer e de sítios para estar parece cada vez maior, a Manu e o Fábio parecem ter encontrado um lugar onde nada disso existe. Aqui nunca estamos ansiosos por ter de corresponder a muitos compromissos. Aqui há menos tropeçamentos, menos interrupções e isso é ótimo principalmente para a criação e o nosso bem estar. Se São Miguel de Acha os estranhou num primeiro momento, não sabemos precisar, mas hoje parece ser evidente que os entranhou, porque hoje eles também são parte integrante do retrato que aqui contam e desenham.