Isabel Costa, Burel Factory
Foi numa manhã de sol, já perto da hora do almoço, que chegámos a Manteigas, mais especificamente às imediações da Burel Factory, situada bem no alto da vila, abraçada pela Serra e com o som da água a correr por detrás do edifício como pano de fundo. Enquanto esperávamos pela Isabel, responsável pelo projeto, à entrada da fábrica, éramos já inundados pelos muitos barulhos das máquinas que ali nos chegavam e por uma infinidade de cores e tecidos que conseguíamos ir espreitando. À nossa volta estava já um pequeno grupo de pessoas, que aguardava por uma das visitas guiadas que ali decorrem diariamente. Enquanto ali deambulamos, despertados pelos vários estímulos que nos chegavam, aparece a Isabel. Decidimos começar pela visita e só depois passar para a conversa, e foi assim que inaugurámos o nosso périplo.
Para que comecemos de facto pelo início, temos de começar pela Casa das Penhas Douradas. Isabel e o seu marido João são dois exploradores de montanha, apaixonados pela serra e pela natureza e foi essa paixão partilhada que os trouxe até aqui em 2001, fugindo do caos de Lisboa. Esse hotel que hoje conhecemos por “Casa das Penhas Douradas” é um antigo sanatório que nasceu como consequência da Expedição de 1881 levada a cabo por Sousa Martins, e que em 2006 pelas mãos deste casal se tornou num incrível hotel, remodelado com materiais naturais e linhas simples, com toques de cor tecidas pelo burel. Foi também na consequência deste primeiro projeto, que veio a nascer aquele de que hoje nos fala, a Burel Factory, em 2012.
Foi em 1947 que surgiu a Lanifícios Império, a fábrica de lãs mais importante da região, e lugar onde hoje nos encontramos. Quando o casal descobriu este espaço, o mesmo encontrava-se em processo de insolvência e os teares que continha no seu interior, destinados a ir para a sucata para serem derretidos em ferro. Começámos então um processo de recuperação de património industrial, imaterial no conhecimento. Foi assim que nasceu a marca Burel. Nós reposicionámos o burel, pensando no que nos podia dar a montanha, e o que mais nos pode dar é a lã, um produto que está ligado a uma tradição que não podíamos deixar morrer. Este projeto começa em 2010 e os primeiros produtos que começaram por criar foram essencialmente de decoração e arquitetura de interiores: revestimentos, tapetes, tectos, etc. O grande empurrão, como Isabel lhe chama, foi o projeto da sede da Microsoft, para o qual desenvolveram o revestimento dos novos escritórios em Lisboa. Hoje o trabalho já vai muito além da decoração e passa também pela moda, calçado, malas, vestuário, e claro, as famosas mantecas.
A fábrica conta no momento com 38 funcionários, mas a empresa chega aos 45, juntando a Casa das Penhas Douradas e a Casa de São Lourenço, um segundo hotel datado de 1948 a que decidiram dar uma nova vida, falamos de mais de 100 colaboradores, o que no universo da vila é um número bastante considerável. Há uma economia que nos rodeia em todos os serviços que são necessários que é importantíssima. São ciclos positivos. O que nós queríamos fazer na altura e que está a ser feito agora é criar um ciclo positivo de crescimento. Para Isabel estes projetos são sempre projetos de pessoas e de equipas e para este em concreto, reforça o papel imprescindível de Zé Luís, diretor da fábrica, mestre, e alguém que desde criança está ligado a este ofício.
Isabel é de Trás-os-Montes, mas parte da sua vida foi dividida entre Lisboa e o Porto. Formou-se em Biotecnologia e trabalhava na Sonae quando percebeu que as responsabilidades da função que desempenhava eram incompatíveis com o que era necessário para fazer isto acontecer. Todo o processo envolve um grande esforço tanto em território nacional como internacional, de envolvimento com a comunidade em si, mas também com as faculdades, e de tudo o que envolve a comercialização, a distribuição e a comunicação da marca. Hoje em dia, embora veja este lugar como a sua casa, continua a desdobrar-se entre Lisboa e o Porto também, onde tem as lojas. As maiores deslocações acabam por ser mesmo para Lisboa, onde a equipa é maior, acumulando as áreas de marketing, design gráfico e comunicação, e onde mantém a sua casa e moram os seus filhos. As pessoas estão num sítio e estão no outro, é tão normal nos dias de hoje.
Durante toda a conversa, foi notória a forma como a Isabel assume a importância de valorizar todas as tradições que estão envolvidas neste projeto, mas na mesma medida, a forma como o seu renascimento é gerador de um sem fim de ciclos positivos, cujos resultados são visíveis nos mais diversos setores. O que foi igualmente claro, foi a sua enorme vontade de ir mais longe, principalmente pela ausência de limites que coloca à imaginação, à inovação e à criatividade neste mundo do burel. Não é por isso de estranhar que ainda o chame de “projeto” – quase 10 anos depois – tais são os sonhos que ainda tem para ele. A minha missão aqui é por paixão. Trabalhar no Centro dá vida, e a parte mais importante para mim é dar vida a uma comunidade, fazer parte dela, ver que se contribui e o impacto que isso tem no seu desenvolvimento. Claramente a pandemia veio mostrar que não é preciso viver-se numa cidade e que é importante recuperar o património que temos e viver nele.