Histórias | Capítulo I Oeste

Inês Fialho, Maria da Nazaré

Existem meses que combinam com certos lugares, e neste caso, agosto combina de facto com a Nazaré. As ruas estão mais vivas do que nunca e esta vila piscatória torna-se uma das praias de banhos mais concorrida do litoral Oeste. Chegados e após a tarefa hercúlea de encontrar um lugar de estacionamento, seguimos até ao Mercado Municipal. Gostamos muito de mercados e principalmente do tanto que nos contam sobre os lugares e sobre as pessoas. Os cheiros, as texturas, a variedade e os bordões que ouvimos entoados pelos comerciantes – mulheres na sua maioria – torna este local num ponto de paragem obrigatória a qualquer um que visite a vila. Foi dentro desta atmosfera tão particular que fomos encontrar a Inês, que sorrindo já nos esperava.

Inês Fialho faz parte da quinta geração de mulheres nazarenas a trabalhar o peixe seco. Conta-nos que este processo ancestral de secar o peixe surgiu pela necessidade de garantir a alimentação para os longos e rigorosos meses de inverno. Na ausência de outros meios de refrigeração, a seca do peixe permitia a sua conservação natural. Com o mesmo propósito nascia o aluguer de casas. Muitas pessoas iam para as suas cabanas ou sótãos durante o verão para alugarem as suas casas. Era típico ouvirmos os carrinhos de mão em maio para tirarem as mobílias. Hoje esta tradição da secagem do peixe está em risco de extinção e essa foi uma das razões que levou Inês a agarrar este negócio, dói-me o coração pensar que esta tradição pode acabar e daí ter-me dedicado a isto. Inês, nazarena de gema, licenciou-se em Educação Básica em Lisboa e aí viveu e trabalhou durante 13 anos. Contudo, todos os verões, durante o mês de agosto, tirava férias e regressava para ajudar a mãe e a avó.

A sua avó Maria sempre foi uma das suas grandes inspirações. Começou a trabalhar com 6 anos e só parou aos 87 quando a sua saúde assim o obrigou. Filha de uma peixeira e de um pescador, teve assim de abdicar da escola para ajudar a sustentar a família. O seu caráter empreendedor fez dela uma figura conhecida de todos e um exemplo de vida para Inês. Se é verdade que uma parte significativa do regresso de Inês à Nazaré se deveu a querer prolongar essa tradição, existiram também outros fatores que o precipitaram. O seu marido, também ele nazareno, sempre teve o sonho de regressar, e, quando Inês engravidou, a ideia de poderem criar a sua família na vila pareceu-lhes ideal. Foi assim que, já casados e à espera do primeiro filho, deixaram Lisboa e começaram um novo capítulo na Nazaré. Eu acho que tenho de estar onde estou feliz e eu quero estar aqui. 

Inês explica-nos que a técnica de secagem do peixe é o resultado de uma série de pequenos processos. O peixe é primeiro amanhado (são-lhe retiradas as tripas), depois é lavado e passado por uma salmoura feita de água e sal grosso e depois é finalmente aberto ou escalado e estendido ao sol nos famosos paneiros, que são uma das mais emblemáticas imagens desta vila. O facto de ser estendido na praia faz com que a maresia lhe dê um toque especial também. Secam apenas 4 tipos de peixe, o carapau, a sardinha, o cação e os verdinhos ou batuques. A tradição mantém-se assim tal e qual como sempre foi, a única diferença é que Inês se esforça por poder elevá-la e levá-la mais longe. Hoje, além de poderem encontrar estes produtos nos mercados municipais, podem também prová-los em vários restaurantes, dentro e fora da vila, levá-los em vácuo caso estejam em viagem e ainda encomendar online. 

Foi também por insistência do seu irmão, que começou a olhar para o negócio dessa forma, ou seja, além da manutenção da tradição, a possibilidade de homenagear de facto a sua avó, levando a marca mais longe. Assim nasceram, por exemplo, os cartuchos em 2013, para venda individual do carapau e com indicações em três línguas de como se come e como se conserva. A aposta na exportação é também um dos grandes objetivos, para que a Maria Nazaré possa chegar às melhores lojas gourmet de qualquer cidade do mundo. Gosto muito da venda, mas o que me tira o stress é amanhar e escalar. É duro, é tudo manual mas é uma terapia. 

Inês diz nunca se ter arrependido desta mudança. Embora goste muito de Lisboa e tenha de lá memórias muito felizes, agora as suas visitas são sempre com regresso marcado. Explica-nos que com a pertinência cada vez maior do surf na vila, a Nazaré deixou de parar como habitualmente acontecia a partir do mês de setembro e que agora o que acontece é que muda simplesmente o tipo de turista, fazendo com que exista trabalho durante todo o ano. Temos qualidade de vida, não uso carro para nada. Todos os dias vão à praia brincar um bocadinho. Eu acho que tenho de estar onde estou feliz e eu quero estar aqui.