Inês Barata Raposo, Aranhas
Corria o ano de 2015, época em que a perspetiva de uma pandemia era algo absolutamente distante, quando a Inês, com apenas 25 anos, decidiu fazer as malas e fugir da capital do país, para a pequena aldeia de Aranhas pertencente à sub-região da Beira Baixa. Numa época em que o trabalho remoto era ainda uma realidade distante, o nomadismo digital um conceito estrangeiro e os espaços de coworking ou coliving uma ideia que pareceria alienígena, podemos dizer que a Inês foi a paciente zero deste movimento para o interior que hoje está na ordem do dia. Sabendo ainda, que para chegar ao multibanco mais próximo tem de percorrer uns singelos 10km, faz sentido perceber a profundidade desta decisão.
A Inês nasceu e cresceu em Castelo Branco, e assim que lhe foi possível, fugiu para Lisboa para estudar. Tirou a licenciatura em Ciências da Comunicação, seguiu para uma pós-graduação em Artes da Escrita e finalmente um Mestrado em Edição de Texto. Numa primeira fase seguiu a vertente de jornalismo, tendo começado por estagiar no Jornal Público, depois a trabalhar como freelancer na mesma área, e o seu último trabalho em Lisboa passou pelo mundo do editorial, eu estava bem nessa vida, mas tinha 25 anos quando comecei a sentir, eu e o meu companheiro, que se calhar estava na altura de fazermos uma mudança e é aí em 2015 que decidimos desacelerar a nossa vida, até porque tendo eu algumas aspirações artísticas, criativas, literárias se quisermos chamar, eu percebi que estava a perder o controlo do meu tempo.
Aranhas surge assim como o destino mais evidente, terra de origem do seu pai, onde existia uma casa de família que não estava habitada, e onde a confusão de Lisboa não poderia ser um cenário mais distante. Tomada a decisão, o seu companheiro consegue passar a trabalhar remotamente e a Inês despede-se, nós fomos com o salário dele e eu fui naquela certa ingenuidade e loucura que também fazem um pouco parte deste processo que é, alguma coisa é possível, alguma coisa vai acontecer. Os amigos mais próximos e a família mostraram-se reticentes com esta decisão, assumindo mais do que alguma descrença, alguma falta de compreensão pelo sentido da mesma, havia muito aquele discurso mais ou menos enraizado de isso é dar um passo atrás, temos muito aquela sensação de que o regressar às raízes, imagina, os nossos pais fazem todo um esforço para nos pagar as propinas, para nos colocar a estudar lá fora, é todo um investimento e depois, de repente, puxamos assim o tapete.
Uma das primeiras certezas de ter tomado a decisão mais acertada, rapidamente se materializou. Podendo finalmente dedicar-se à escrita, não tardou a receber os frutos dessa viragem, já ganhei alguns prémios no campo da Literatura e é uma coisa que só aconteceu na minha vida desta forma, depois desta minha mudança, porque enquanto estive em Lisboa, esses 7 anos foram anos muito estéreis criativamente. Mas nem só de concretizações profissionais esta mudança se manifestou. A vida numa pequena aldeia também lhes permitiu finalmente um contacto mais próximo com a natureza, que levou à criação de uma horta, mas essencialmente a adquirir uma diferente noção de tempo, numa semana recuperas várias horas e, de repente, estás a recuperar dias todos os meses porque de certa maneira, o tempo também se expande. Às vezes custa-me falar sobre o interior e as aldeias porque sinto que estou a reforçar aquele cliché de que a vida no campo é maravilhosa e temos os horizontes e o pôr-do-sol mas é verdade.
Hoje o seu núcleo mais próximo de conhecidos e amigos é também ele bastante diferente do que traziam de Lisboa, era uma faixa etária à qual eu estava blindada, mas a verdade é que hoje quando saiu-o de casa vou sempre encontrar muito mais pessoas com mais de 70 anos do que com menos. A vizinha que faz pão e me traz ainda quentinho, o vizinho que me traz os ovos, e eu tento retribuir passando tempo com eles, ouvindo-os e ajudando-os com qualquer questão tecnológica como uma chamada por skype para um filho que está emigrado ou responder que sim ao agendamento de uma vacina de Covid. Estas novas dinâmicas sociais foram claramente uma das maiores mudanças mas também algo que encaram como brutalmente positivo e impossível de acontecer desta forma numa grande cidade.
Apesar de o trabalho acabar sempre por implicar algumas idas a Lisboa, este já não é um destino que encare como possível morada, voltar a Lisboa, não posso dizer nunca mas posso dizer que espero não ter de voltar porque isso sim seria mesmo sinal de que alguma coisa não tinha corrido bem. Apesar de hoje conseguir ver a capital com outros olhos, já não se consegue imaginar de volta aquele reboliço e acima de tudo o que o mesmo implicava na sua vida. Apesar disso, e apesar de adorarem viver em Aranhas, a possibilidade de trabalharem a partir de qualquer lugar faz com que gostem de o fazer por certos períodos, o que por vezes acabo por fazer é em momentos agarro no meu trabalho e passo uma temporada noutro sítio, no verão, por exemplo, estamos muitas semanas à beira-mar.
Sete anos após aquilo que para muitos era uma ideia completamente louca, a realidade destes novos tempos faz desta história um retrato de pioneirismo naquilo que são as novas movimentações demográficas e os novos regimes de trabalho. Já nas palavras da Inês, e no registo partilhado do seu dia a dia em Aranhas, a certeza de um final feliz.