Filipa Almeida, Apijardins
Quando a natureza parece já não nos poder surpreender mais, voltamos a ficar de queixo caído, arrebatados pela sua beleza e força. Foi isso que sentimos enquanto seguíamos ao encontro de Filipa Almeida, responsável pela empresa Apijardins. O calor já começava a apertar, mas o deslumbramento com a paisagem envolvente não nos permitia sofrer com ele. Não foi por isso de estranhar que a primeira coisa que a Filipa decidiu partilhar connosco foi exatamente uma descrição da paisagem da Beira Baixa. Fruto do acaso ou consequência do nosso ar de encantamento, a verdade é que foi esse o começo da nossa conversa, ali, cercados por um sem fim de tons de verde e pelos múltiplos sons da natureza.
Filipa é arquiteta paisagista de profissão, contando já com 15 anos de experiência. Em 2009, enquanto trabalhava para uma grande empresa de construção em Viseu, e em plena crise, recebeu um convite para ir para fora do país, que era onde teria trabalho. Mas a reserva de amor que tinha pelo seu país falou mais alto. Essa decisão, embora não de forma imediata, obrigou-a a repensar tudo e em última análise a mudar de vida. Foi assim que em 2012 regressou à Beira Baixa, de onde é natural. O seu regresso coincidiu com uma série de incêndios que haviam devastado aquele território, os campos verdes de que se lembrava eram agora apenas cinzas, se eu pudesse deixar algum conselho é que as pessoas olhem para a paisagem como uma fonte de riqueza e fonte de fertilidade que nós temos para construir novamente uma vida de raiz. Onde a maioria das pessoas veria apenas um cenário de devastação, a Filipa viu um sem fim de possibilidades; foi assim que em 2013 nasceu formalmente a “Apijardins”.
A sua formação enquanto arquiteta paisagista deu-lhe os conhecimentos necessários para saber de que forma recuperar aquela paisagem através de técnicas simples de regeneração natural do solo. Primeiro foi feita essa recuperação da paisagem, depois a preparação dos apiários e a instalação das colmeias. No total hoje conta com 14 parcelas, todas localizadas no território da Beira Baixa e no concelho de Castelo Branco. Quem tem um pedaço de terra é rico, precisamente porque ela tem a capacidade e a generosidade de doar recursos que nós podemos aproveitar com conhecimento e com trabalho, e construir a nossa fonte de sustento, seja agricultura, apicultura, turismo. Filipa não sabia nada sobre abelhas quando se aventurou neste mundo. Tudo começou com um vizinho seu que tinha algumas colmeias e que já não se sentia capaz de as manter. Levou-a até ao seu terreno, confirmou que ela saberia como cuidar delas, e acabou por oferecer-lhas. Quando eu comecei isto as pessoas disseram que eu era uma mulher de ferro e de coragem. Alguns amigos até questionaram se eu estava bem. Mas temos de ter foco, determinação, muito trabalho e conhecimento. Tudo isso se vai adquirindo ao longo do tempo.
Filipa procurou esse conhecimento, fez cursos, procurou pessoas especialistas no assunto e, acima de tudo, esteve no campo, experimentou, e usou-se dos conhecimentos que já tinha sobre recursos florísticos. Quem vive no campo tem de ser essencialmente observador. E a natureza é um livro aberto e tem a capacidade de nos ensinar muitas coisas, mesmo para o nosso dia a dia. A certa altura ficamos com a sensação clara de que a Filipa aprendeu muito mais com as abelhas do que apenas como cuidar delas. Hoje, a Apijardins é uma empresa que concilia apicultura e arquitetura paisagista, dedicando-se à criação de abelhas, produção de mel e pólen, e, em complementaridade, à elaboração de projetos de espaço verdes com espécies melíferas, criando espaços ambientalmente sustentáveis. O reconhecimento do seu trabalho, tem-lhe valido variados prémios, um deles o de Melhor Mel Ibérico, com o seu mel monofloral de rosmaninho em 2018.
A vida de Filipa divide-se entre o trabalho com as abelhas, as formações que dá e os projetos de arquitetura paisagista, e é este triângulo que lhe permite encontrar o seu equilíbrio. Quando pensa no quanto a sua vida se alterou com a mudança de uma grande cidade para uma aldeia do interior, sabe que fez a escolha certa, o campo tem essa capacidade. A capacidade de nos recuperar física e psicologicamente. À medida que nós vamos vendo as coisas a acontecer temos a capacidade de alimentar a esperança e a capacidade de fazer mais. Assume contudo, que o começo foi obviamente difícil e que existiu um trabalho descomunal, mas que com muita disciplina e uma boa organização, nunca duvidou que seria possível.
Hoje o campo é o seu escritório e a vida com as abelhas é feita de uma perfeita comunhão. A cada final de dia, sente que a sua missão está cumprida e que com o seu trabalho está a contribuir para o crescimento e desenvolvimento de colónias, e ao mesmo tempo para a manutenção dos ecossistemas. Por outro lado, gosta do envolvimento que tem com outros apicultores, e da troca de conhecimentos que acontece entre eles. Ela partilha o seu conhecimento mais científico e eles a sua experiência empírica e no final, todos saem mais ricos dessa troca. Filipa parece reforçar a eterna premissa de que são de facto as pessoas que fazem os lugares, nós temos uma grande diversidade e oferta que está por descobrir. E não é só a paisagem. Também são as gentes e a forma como alguém é sempre bem recebido aqui.