Catarina Serra, Cerdeira – Home for Creativity
A 700 metros de altitude, no coração da Serra da Lousã, em plena aldeia da Cerdeira, fomos encontrar a Catarina Serra. Num cenário pintado em todos os tons possíveis de verde, num envolvente abraço da natureza, sendo ela própria a derradeira banda sonora daquele lugar. Em perfeita comunhão com o verde, a suave rugosidade do xisto, a dar vida a todas as casas e a trazer uma portugalidade que sempre encontramos neste material. Foi neste enquadramento tão particular que a conversa começou e que se deu a descoberta deste projeto, que casa a criatividade com a cultura e as artes numa localização aparentemente improvável.
A Catarina começa por explicar que, há 35 anos, esta aldeia se encontrava completamente abandonada, contando apenas com um habitante; é precisamente nessa altura que lhe chegam duas famílias e que mudam por completo o rumo deste lugar. Uma das famílias era a sua, mas comecemos pelo início.
Kerstin, uma alemã que estudava português com a mãe de Catarina – de nacionalidade russa – descobriu este sítio com o marido e decidiram fixar-se aqui. A família de Catarina conhece assim a Cerdeira, a convite deles, tinha a Catarina 4 anos, e começam a vir até cá sempre que possível, principalmente em períodos de férias. Reconstruímos uma casa aqui, todos com as nossas próprias mãos, e acabámos por adotar a aldeia como se fosse nossa e a partir daí começamos a vir cada vez mais.
A Kerstin sempre esteve ligada às artes, sendo ela artesã, e quando decidimos começar a alugar as casas aqui foi um processo natural pensarmos em criar algo ligado a essa área. Assim nasceu este projeto, um retiro criativo na montanha. Enquanto retiro criativo conta com uma escola de artes e ofícios, workshops de curta e longa duração, residências artísticas,festivais de artes e vários outros eventos, além de funcionar como turismo rural. Enquanto retiro na montanha, oferece uma experiência diferente da Serra da Lousã, através de caminhadas, passeios de bicicleta e um contacto imersivo com a natureza. Aqui as pessoas aprendem um bocadinho a ser mais gentis com elas próprias e com os outros, nós estamos aqui no meio de uma coisa viva e não controlamos tudo. Aqui sente-se muito a natureza.
Este projeto contou desde o primeiro momento com o apoio das várias entidades locais e da região e procurou sempre o envolvimento da comunidade local, sendo todos os seus fornecedores aqui residentes. A par desse cuidado, houve também uma preocupação ambiental muito vincada, que lhes confere o selo Ecolabel, um rótulo europeu que se aplica a produtos com caraterísticas ambientais excepcionais e o único atribuído a um turismo rural em Portugal. Ainda nesta vertente, fazem também parte da Rede Natura 2000, uma rede de áreas designadas para conservar os habitats e as espécies selvagens raras, ameaçadas ou vulneráveis na União Europeia.
Segundo Catarina, são hoje maioritariamente jovens, estrangeiros, artistas emergentes, quem procura as residências artísticas, que começaram já em 2017, ano em que a procura foi intensa já que eram um dos poucos lugares com este tipo de oferta disponível. O principal objetivo das residências era, e continua a ser, o de cruzar pessoas de áreas diferentes, que possam beber de outras experiências, potenciando inspiração e criatividade. Temos um mestre japonês que fez o nosso forno lá em baixo, que veio essa primeira vez e ficou completamente apaixonado pela Cerdeira,e agora vem todos os anos do Japão. Agora inclusive é professor na nossa escola de artes, de cerâmica japonesa, um curso que se esgota sempre. Uma pessoa já com 80 e tal anos mas que está completamente comprometido connosco até ao fim da vida. (risos)
Com a chegada da pandemia, uma das primeiras adaptações que fizeram foi a de colocar internet em todas as casas, já que o conceito inicial era esse acesso existir apenas nos espaços comuns. Depois lançaram os pacotes de trabalho remoto com refeições, apostando no mercado nacional. Mas como ninguém na família sabe estar parado e a ideias parecem crescer como cogumelos nesta aldeia, estão já embrenhados num novo projeto numa aldeia ao lado, Silveira. A premissa é criar uma aldeia tecnológica para trabalhadores remotos e nómadas digitais. Pensámos nisto antes do Covid, e as pessoas diziam que éramos doidos e de repente parece que somos génios! Não sendo tudo isto suficiente, vão ainda recuperar uma casa no centro da Lousã, onde querem criar uma galeria, um café e um espaço de coworking.
Nascida em Lisboa, uma vida inteira a morar na margem sul e uma experiência de dois anos a viver em Amesterdão, no final do ano passado, Catarina veio finalmente viver para a Lousã. Começou por agarrar este projeto da Cerdeira através do Marketing e das Vendas, mas hoje acaba por assumi-lo em grande parte, juntamente com uma equipa de 15 pessoas. Hoje, esta “Home for Creativity”, conta já com dez casas, um hostel com 12 camas, um atelier, uma casa para eventos, um café, uma biblioteca, uma galeria, uma loja, e ainda uma lavandaria própria. Com o seu marido a trabalhar a partir de casa e com uma filha de um ano e meio, esta tranquilidade da Serra nunca lhe fez tanto sentido, e o próximo passo é construir aqui casa, porque o terreno já está comprado. Aqui posso acordar calmamente e ter o privilégio de ir levar a minha filha à escola a pé. Aqui as pessoas estão mais desconectadas das distrações do dia a dia que não nos deixam apreciar as pequenas coisas, como o barulho do rio ou a mudança de cores das flores da serra.