Histórias | Capítulo I Região de Coimbra

Bernardo Patrão, Critical Software

Viajámos até Coimbra, casa de uma das mais antigas universidades do mundo e a mais antiga do país, onde se formaram as mais destacadas personalidades da cultura, da ciência e da política nacional, e que é Património Mundial da UNESCO desde 2013. Inicialmente confinada ao Palácio Real, na Alta, a Universidade de Coimbra marca a paisagem desta cidade universitária que, no século XX, contou com a criação do Pólo II, dedicado às engenharias e tecnologias, o ponto de partida para as histórias da Critical Software e de Bernardo Patrão.

A Critical Software é uma empresa de software e sistemas de informação que nasceu no final dos anos 90, pelas mãos de três engenheiros que se conheceram quando estavam a fazer o doutoramento no Departamento de Engenharia Informática da Universidade de Coimbra. Gonçalo Quadros, João Carreira e Diamantino Costa trabalhavam o desafio da chamada injeção de falhas num projecto na área do espaço. A partir do Instituto Pedro Nunes, sonhavam tanto quanto trabalhavam até que foram contactados pela NASA e a empresa descolou. 

A Critical caminha há mais de 20 anos em cerca de 10 indústrias distintas, sempre com o mote das soluções para sistemas críticos cujas falhas possam acarretar vidas humanas ou perdas financeiras significativas. A pegada da tecnologia conimbricense está espalhada pelo mundo, em sistemas de gestão de eleições, sistemas bancários e financeiros, no transporte ferroviário, sistemas de defesa, projetos de transformação digital com entidades estatais e ainda na área dos edifícios inteligentes e smart cities, entre muitos outros.

Dizem que o bom filho à casa torna e foi isso que aconteceu com Bernardo Patrão, engenheiro informático, com quem conversámos ao longo de duas horas durante uma viagem pelas instalações da Critical, em Taveiro.

Foi durante o curso de Engenharia Informática na Universidade de Coimbra, que Bernardo fez um estágio de verão na Critical Software. Depois da experiência Erasmus em Milão, houve a tentação de ir para fora quando terminou a licenciatura. Pensou em ir para outra cidade, outro país, mas a decisão foi simples: queria ficar em Coimbra.

Este sentido de casa fez com que Bernardo regressasse à Critical para um estágio curricular, num projeto na área do espaço. Seguiram-se diversos outros desafios, o último dos quais na área de segurança de informação. Era um projecto que tinha muito potencial de mercado e que, em 2012, justificou a criação de uma spin-off, a Watchful Software, para onde Bernardo foi trabalhar. Os episódios que se seguem enchem qualquer conimbricense (e qualquer português) de orgulho porque a Watchful Software foi comprada pela Symantec que, apesar de estar apenas interessada no software, acabou por contratar toda a equipa de engenharia. E tudo aconteceu porque a empresa compradora conheceu as pessoas, os engenheiros, que são mais do que máquinas de trabalho e competência. 

Em Outubro de 2020, Bernardo recebeu um convite interessante de João Carreira. “Para mim, foi voltar a casa mas para um trabalho novo. Tinha sempre feito gestão de equipa e gestão e desenvolvimento de produto mas agora vim fazer gestão da inovação na Critical, ou seja, a gestão de conhecimento, a gestão dos objectivos estratégicos técnicos da organização, identificar onde queremos investir para sermos a empresa que amanhã está à frente da curva em áreas tão diferentes como inteligência artificial, cibersegurança, entre outras.” 

Fomos espreitando as salas de trabalho, umas em open-space, outras para reuniões e ainda zonas de alta produtividade, verdadeiras telas em branco que permitem que o espaço se monte com a configuração mais adequada a cada projeto, movendo-se bancos, mesas e quadros brancos colaborativos.

Entrámos no Fikalab, um espaço multifunções, laboratório de inovação. Vimos material eletrónico, impressoras 3D e um pequeno expositor que exibe orgulhosamente uma amostra de projetos concluídos. “As pessoas gostam de se divertir com  tecnologia e aqui damos hipótese para o fazerem. Como bónus, adquirem esse conhecimento e aproveitam-no para outros projetos. Há ainda projetos de responsabilidade social, como a adaptação de brinquedos para crianças com paralisia cerebral que fazemos todos os anos.”

Em conjunto com diversos outros parceiros, o Fikalab promove o The Future City Challenge, uma grande competição de IoT (internet of things) que desafia a imaginar o futuro da cidade de Coimbra. Procuram-se ideias com um impacto positivo nas comunidades e que vão desde a monitorização de transportes, qualidade de ar, ruído, entre outros. Neste concurso, as soluções são desenvolvidas tirando partido da The Things Network, uma rede sem fios de longo alcance com uma cobertura significativa em Coimbra.

Demorámo-nos a admirar um espaço envidraçado e guardado a sete chaves (que é como quem diz com acesso controlado). Tratava-se de um laboratório que permite fazer validação de sistemas utilizados para controlo das linhas de comboios, semáforos e fragatas da Marinha. De Coimbra trabalha-se para o mundo, aqui são pensados sistemas que garantem a segurança de muitas pessoas.

A Critical Software não é apenas uma fábrica de sistemas de ponta mas também uma escola de engenharia. Aquelas mais de 950 pessoas trabalham todos os dias para mercados muito exigentes, com regras estritas e entregam resultados garantidos. E a exigência e minúcia no trabalho dentro destas portas acaba por levar à criação de outras empresas, é alimento constante para um ecossistema que faz a cidade fervilhar futuros. 

A propósito da pegada social, Bernardo falou-nos no chamado triple p, o mote da empresa que resume os seus três pilares de actuação: person, planet e profit. “Isto é claro na forma como a organização está estruturada e faz com que consigamos cativar pessoas que partilham esta visão do mundo. A verdade é que as pessoas já não ficam só num sítio, mudam de emprego e o que distingue as empresas é o seu propósito. A Critical trabalha para ser uma escola de engenharia mas também para ser uma empresa cidadã no mundo.”

Foi neste segundo que a nossa conversa começou a desbravar outras tantas camadas da identidade desta casa. “Na nossa comunidade interna, já somos 1000 pessoas que também estão envolvidas na comunidade do sítio onde nos inserimos. Este foco é cada vez mais claro, há uma pessoa na organização só responsável por programas de  responsabilidade social, só a pensar nas formas como podemos ajudar. É uma cultura que está impregnada na própria empresa, não é uma imposição mas um ecossistema que se cria e que nos faz sentir que não estamos aqui só para trabalhar, temos um impacto real.”

Foi o caso da iniciativa Neighbour to Neighbour, lançada em 2020, que permitiu que os trabalhadores da Critical comprassem refeições para pessoas carenciadas a um conjunto de restaurantes que estavam também a passar dificuldades, numa altura aguda para a restauração. Outro exemplo é a Companhia do Estudo, também aberta aos trabalhadores da Critical que se queiram voluntariar para ajudar crianças e jovens que precisem de apoio ou estejam em risco de chumbar, tornando-se seus mentores e dando explicações remotas. Mais recentemente, têm estado a desenvolver um programa para integrar pessoas neuro-diversas. “Não é um programa de caridade, queremos apenas criar emprego para pessoas que são muito produtivas, honestas, não têm barreiras sociais.”

Este papel social da empresa, que está mesmo no seu código, também originou a decisão de mudança das instalações para o centro de Coimbra, mais concretamente para o antigo edifício da Coimbra Editora. “No início era uma teimosia, agora já se provou que é possível ter empresas na área tecnológica e noutras áreas de formação qualificada a trabalhar aqui, é possível reter talento aqui.” Aliás, nos últimos anos a Critical diversificou as localizações dos seus escritórios em Portugal, colocando-os cirurgicamente junto de ensino de qualidade, em Viseu, Tomar e Vila Real. 

Bernardo contou-nos que as décadas de sucessos que a Critical tem percorrido nunca fizeram com que estivesse na mesa uma retirada da sede de Coimbra. “Manter a sede em Coimbra era um fincapé de todos os fundadores. Surgiram muitas oportunidades para a empresa ir para outros sítios mas sempre se acreditou no potencial desta nova indústria nesta zona. Apesar de existirem outras empresas do setor tecnológico, a Critical foi abrindo caminho. É um local que tem potencial para captar talento.” Se há dez anos atrás não havia quase oportunidades de trabalho nesta área (e toda a gente ia para Lisboa, Porto ou para o estrangeiro), agora já há quem venha de longe para trabalhar em Coimbra.

Coimbra é uma lição, de sonho e tradição, que Bernardo goza todos os dias. “Tenho uma paixão pela cidade e pelas pessoas. Sei que temos potencial para localizar as pessoas aqui, Coimbra tem uma localização privilegiada, qualidade de vida, é o sítio onde sempre sonhei educar os meus filhos. Aliás, hoje em dia vou almoçar a casa, vou buscar cedo o meu filho à escola  e, num dia mau, apanho 15 minutos de trânsito para chegar ao trabalho. Vou muitas vezes ao Parque Verde, gosto de ir à Baixa, ao Centro histórico, temos uma oferta de restauração cada vez melhor e muito inesperada. Fujo um pouco mais das zonas dos estudantes mas ainda gosto de ir à Praça beber um fino com amigos. Apareceram agora esplanadas no centro da Praça, no Jardim da Sereia e na Sá da Bandeira. Ao fim-de-semana vou muitas vezes de bicicleta de casa até ao Choupal, adoro ir à Serra da Lousã para fazer caminhadas, visitar as aldeias históricas, ir à praia da Figueira da Foz ou a Aveiro. Estou muito perto do Porto e de Lisboa, demoro o mesmo tempo a chegar ao aeroporto do que qualquer pessoa que vive em Milão.”

“A minha mãe sempre me abriu os olhos para as vantagens de viver numa cidade que tem todos os luxos e comodidades de uma cidade grande mas tem uma enorme qualidade de vida, qualidade de ensino, de saúde.” Também é assim que este profundo sentimento de pertença à terra vai sendo passado de geração em geração.