Histórias | Capítulo I Ria de Aveiro

Bernardo Conde, Trilhos da Terra

Não fosse a estranha força do vento que corria desenfreado nesse dia e pareceria de facto um dia antecipado de verão. Chegámos a Aveiro em cima da hora de almoço e foi no típico restaurante “Adega Evaristo” que nos fomos encontrar com o Bernardo Conde. A conversa fugiu deliberadamente ao propósito do nosso encontro, para que a pudéssemos guardar para o local para ela reservado, e fomos debatendo os temas da ordem do dia, os números do Covid, o futebol e as últimas controvérsias que ouvíamos no telejornal. Finda a refeição, bastou-nos percorrer alguns metros para chegar ao espaço do “Trilhos da Terra” e foi aí que demos início a esta viagem guiada pelo seu criador, o Bernardo.

O que salta à vista logo no primeiro momento são as muitas fotografias expostas nas paredes, as muitas máquinas fotográficas espalhadas pelo espaço e a pilha desordenada de livros e revistas, que invocam explorações e viagens. É sob essa nota que Bernardo começa por nos contar da sua paixão por fotografia, que fez com que aos 15 anos começasse a brincar com máquinas de rolo, até que aos 18 começou a colecionar workshops, para que pudesse aprender mais, e a procurar passar tempo com quem já o fazia de uma forma um pouco mais profissional. Apesar desta paixão evidente, acabou por decidir seguir a sua formação em Engenharia do Ambiente e por trabalhar nessa área durante vários anos. Foi no ano de 2007 que percebeu que estava na hora de mudar e de se dedicar finalmente ao que de facto gostava de fazer, a fotografia. 

Os “Trilhos da Terra” nasceram ainda em sua casa e não no espaço onde hoje nos encontramos. Usava o espaço da minha cave. Fiz dois bancos para levar 8 pessoas e tinha uma sala de formação e um escritório. Depois comecei a fazer também sessões clandestinas de cinema de viagem e tertúlias. Depois em 2015 percebi que a cave já não era suficiente e surgiu este espaço. Com a passagem para este espaço pôde criar novas dinâmicas, como os quizzes, a projeção de documentários, os concertos ou as conversas e foi inserindo um tema também muito importante para si, a conservação ambiental. Antes da pandemia passavam mensalmente pelo espaço 200 pessoas, o que faz com que lhe seja ainda estranho estar neste espaço agora tão vazio. Contudo, essa mudança drástica profissional acabaria por ir muito além deste espaço e foi assim que, nessa mesma fase, iniciou também as suas funções enquanto membro da Agência de Viagens de Aventura Nomad, ficando inicialmente responsável pelos destinos de Madagáscar depois também pela Mongólia. 

Em 2017 volta a congeminar a criação de um grande projeto e nasce o “National Geographic Exodus Aveiro Fest”. A ideia surgiu após visitar um festival de fotografia de viagem em Itália chamado “Cortona On The Move” e também o trabalho da ONG “Rewilding Europe”. O Exodus é um festival de fotografia e vídeo de viagem e aventura, que tem por base palestras inspiracionais e informativas onde o que queremos realmente falar é sobre o estado do Mundo visto pelos fotógrafos, o que faz deste evento uma experiência muito intensa. E foi aqui neste espaço que ele nasceu, numa cave sem vitamina D mas profícua em ideias. Nesta fase, em que a pandemia ainda não permite que retome em pleno as atividades dos “Trilhos da Terra” e da Nomad, tem estado a trabalhar em projetos de fotografia com o Turismo do Centro, as Aldeias de Xisto e o município de Aveiro, porque estar parado não é uma possibilidade para alguém tão desassossegado.

Outro dos projetos que gostava de retomar, e que se tinha esquecido de referir anteriormente, foi o “Explorers” que desenvolvia também neste espaço. Uma espécie de escola direcionada para a exploração, a ecologia, a biodiversidade e a interculturalidade, para a qual criou inclusive um programa curricular e pedagógico, com uma série de atividades que miúdos entre os 6 e os 10 anos faziam depois das aulas e para o qual muito contribuíram os 20 anos que dedicou ao escutismo. Tendo-se associado a uma empresa de turismo ativo da região, promoveu também momentos de interação entre pais e filhos, estando consciente de que essa conexão tão importante está cada vez mais difusa, e fê-lo através de atividades como rapel e canoagem. 

Hoje Aveiro não é apenas a cidade onde nasceu, é a casa onde quer ficar, embora a sede das viagens esteja mais alta do que nunca. Aveiro tem tudo. Além das boas acessibilidades a Lisboa e ao Porto, tem uma característica de que eu gosto muito – é plana, o que faz com que eu consiga ir a pé ou de bicicleta para todo o lado. Além disso, tem praia e tem montanha e serra bem perto. E ainda, claro, a universidade que está entre as melhores do mundo. Admite sem grandes rodeios que provavelmente nunca será alguém alinhado com o mundo do negócio, o que faz com que o projeto esteja muito dependente dos trabalhos que faz em nome individual e não das receitas dos eventos que concretize neste espaço porque a grande maioria são de entrada gratuita. No fundo é um espírito de propósito ou de missão, o que o une aos temas das viagens, da fotografia e do ambiente, e que lhe dá esse ímpeto para criar espaços e momentos em que esses temas possam ser explorados e debatidos. O que o futuro trará ao Bernardo e a este projeto do “Trilhos da Terra” é ainda uma incógnita, mas fica a certeza que numa próxima visita a Aveiro haverá certamente novidades e uma série de novos projetos a rolar juntamente com todos os que teve de deixar em stand-by.