Andreia Proença, Farfetch
Foi num dia frio e chuvoso que seguimos viagem até à freguesia de Videmonte, parte do município da Guarda, lugar onde se situa o ponto mais alto do concelho, atravessada pelo Rio Mondego, em pleno coração da Serra da Estrela. A primeira imagem e a que mais impacta quem ali chega é a arquitetura comum à grande maioria das casas, construídas com blocos de granito e perfeitamente integradas no cenário de natureza que as rodeia. Debaixo de um guarda-chuva colorido, chega a Andreia, de sorriso rasgado, pronta para nos receber. A chuva impossibilitou que pudéssemos conversar ao ar livre, e seguimos com ela até à casa da sua avó, que nos conta ter sido construída pelo seu pai, e é aí que confortavelmente nos sentamos, abrigados do frio que se fazia sentir, e prontos para conhecer o porquê de ter escolhido viver e trabalhar ali.
Filha de pais emigrantes, Andreia, hoje com 26 anos, nasceu na Suíça. Após o seu nascimento e por motivos familiares, os pais decidem regressar a Videmonte e recomeçar ali a sua vida. Andreia era ainda tão pequena quando se deu essa mudança que não se lembra sequer de outra realidade que não a que conheceu em Videmonte. Apaixonada pelas matemáticas, quando chegou o momento de seguir para o ensino superior acabou por se decidir pela Engenharia Industrial, e foi apenas nesse momento que deixou Videmonte e foi estudar e viver para o Porto. Foi lá que fez a sua licenciatura e também o mestrado, tendo saído apenas para uma experiência de Erasmus na Bélgica. Sempre gostei muito de estar aqui e isso fez com que, mesmo quando estava no Porto, sentisse a necessidade de vir cá pelo menos dois fins de semana por mês. Vinha de autocarro e a viagem era longa e aborrecida, sendo que os meus pais ainda tinham de me ir buscar à Guarda, a 20 km daqui. Mas essas vindas eram mesmo uma necessidade para mim, o que compensava sempre o cansaço das viagens.
Quando terminou a faculdade, começou um estágio curricular na Sonae, ocupando mais 2 posições na área de IT. Procurando outros projetos aliciantes, decidiu concorrer para outras empresas, e foi dessa forma que acabou por entrar na Farfetch enquanto gestora de produto. As funções que começou por desempenhar, e às quais continua dedicada ainda hoje, fazem com que seja uma espécie de ponte entre as equipas de desenvolvimento e o próprio interesse do cliente. O timing em que inicia este trabalho faz com que o mesmo, apenas dois meses após ter começado, em janeiro de 2020, culmine com o início da pandemia. Com a chegada do confinamento, assume que foi uma decisão fácil regressar a Videmonte, embora considerasse nesse momento que seria algo meramente temporário. Contudo, um ano e meio depois, é em Videmonte que continua a viver e a trabalhar. Nesta fase, estando já há tanto tempo a viver novamente com os pais, e não sabendo como será o futuro, planeia mudar-se para a casa onde hoje nos recebe, para poder voltar a ter alguma independência, de que já começa a sentir falta.
Com este regresso a Videmonte, o seu dia-a-dia sofreu obrigatoriamente algumas modificações. Hoje em dia, além do horário habitual de trabalho, faz yoga três vezes por semana, uma atividade oferecida pela própria empresa, e que partilha ter sido uma descoberta incrível, e ao final do dia vai sempre dar um passeio com paragem obrigatória em casa dos avós. Aproveita também o seu tempo livre para ajudar o pai no seu negócio recentemente criado, ligado ao fabrico de pão, biscoitos e infusões, apoiando não só na gestão das redes sociais, mas também na criação de novas embalagens. Negócio esse que começou quase por brincadeira, após ter ficado desempregado e aquando do “Festival Pão Nosso”, um festival que integra o ciclo de Festivais de Cultura Popular do Concelho da Guarda. Confessa-nos também estar ansiosa pela chegada do verão, onde Videmonte ganha novas dinâmicas, e quando poderá finalmente voltar à Praia Fluvial da Quinta da Taberna, um dos seus lugares preferidos.
Sentindo falta de alguma socialização, Andreia aguarda que as obras no futuro espaço de coworking que ali será criado terminem, para que mude o seu escritório para este novo espaço. Foi sob esse mote que seguimos até lá, já que o mesmo se situava a escassos metros da casa onde nos recebeu. É a Associação de Desenvolvimento Integrado da Rede das Aldeias de Montanha, em parceria com as Juntas de Freguesias, quem está por detrás da criação deste espaço de coworking, que se juntará a outros dois, um em Alvoco das Várzeas e outro na Lapa dos Dinheiros. A conceção e o design destes espaços tem subjacente os princípios da economia circular por via da valorização do território, a promoção do ‘saber-fazer’ e o envolvimento das comunidades locais na sua materialização.
Tenho saudades da vida no Porto, mas a verdade é que me sinto muito bem aqui. É incrível a ausência de trânsito, o poder estar tão próxima dos meus familiares e outras coisas novas que vão surgindo, como ter começado a aprender tricô com uma senhora aqui da aldeia, coisas que dificilmente aconteceriam em qualquer outro lugar.