Beira Baixa Histórias Histórias | Capítulo II

Andreia e Fernando, Projeto Fundão

Países Baixos, informalmente conhecido como Holanda, o país das tulipas é hoje a morada da Andreia, natural de Abrantes, e do seu marido Fernando, natural de Espinho. Há vários anos a viverem neste país, foi ainda num contexto pré- pandemia que começaram a ponderar – ainda sem grandes planos – uma nova mudança de vida e também de localização geográfica. Já em pandemia e com mais tempo para poderem pesquisar, refletir e tomar decisões, tornou-se claro que a estadia na Holanda estava em reta de conclusão. Hoje a partida é uma certeza, e também o é o destino que assim os trará de regresso a Casa e a Portugal.

Chegada ao ensino superior, a Andreia decidiu seguir o mestrado em Engenharia Biomédica e trocar Abrantes por Lisboa. Já o Fernando encurtou as distâncias e deixou Espinho para seguir os seus estudos em Engenharia Física na cidade de Coimbra. Anos mais tarde, o destino acabaria por cruzar os seus caminhos, e após uma passagem por Inglaterra, a Andreia acabaria por partir para a Holanda, onde o Fernando já trabalhava há algum tempo na área de IT, área na qual ela também viria a trabalhar.  Muito influenciada pelo Fernando que foi o primeiro a vir para a Holanda – mas eu achei que a maneira dos holandeses serem fazia muito sentido para mim e o sítio, o país é mesmo muito bonito. Após essa mudança, já totalmente instalados no país, tomaram uma decisão que viria a ser crucial para a grande viragem que hoje planeiam fazer, alugaram um espaço num jardim comunitário. 

Com a pandemia começaram a trabalhar remotamente e por consequência a ser naturalmente mais ativos no jardim comunitário do qual faziam parte. Começámos a produzir e rapidamente percebemos que a qualidade dos produtos era muito superior à dos que adquiríamos no supermercado, e além disso não tínhamos muito trabalho devido aos métodos naturais que usamos. Aliado a esta descoberta começaram a sentir cada vez mais que o futuro de ambos não passaria pela área de IT mas sim por algo que sabiam poder vir a construir juntos. Tudo o que a sociedade nos diz é “tens uma boa profissão, tens um bom ordenado, tens de ser feliz”. Só que não, nós chegamos lá e de repente apercebemo-nos que ok não tens de te preocupar com contas o que é ótimo mas falta alguma coisa, falta um propósito na tua vida. 

Após muita pesquisa, Portugal foi-se tornando o destino claro e o que mais fazia sentido a ambos, pelos mais variados motivos. Começámos a ver terrenos e demos com um no Fundão, lugar a que nenhum de nós tem qualquer ligação. E foi assim amor à primeira vista, aquele terreno foi literalmente chegar lá e dizer “nós temos de comprar isto”. A vista é lindíssima, o sítio é espetacular e ainda tem uma comunidade interessante de estrangeiros de diferentes culturas que ali vivem. Fizemos a escritura de um dia para o outro. Hoje, a cada visita são inundados por um espírito de comunidade típico destes lugares mais pequenos e um apoio bastante significativo, não só das pessoas que ali vivem como do próprio município.  Neste momento até temos de meter algum travão no projeto porque as pessoas querem tanto ajudar-nos que dizem “não, não, nós queremos ajudar, fazemos já isso hoje”, ou “vai já almoçar com a pessoa responsável”.

A experiência no jardim comunitário trouxe assim a certeza de que o projeto seria agrícola na sua base e privilegiando sempre uma agricultura o mais natural possível. Neste sentido, o projeto estará numa primeira fase dividido em três vertentes principais: turismo ecológico, produção de licores e produção de compotas. Se eu focar mais em compotas e licores biológicos, posso começar já a fazer parcerias com quintas biológicas que eu já conheço na zona e que têm sempre produtos que não têm calibre suficiente para ser vendido devido às normas e para eles é interessante porque em vez de deitarem fora escoam para nós e fazem também uma segunda vertente de lucro. Para a vertente de ecoturismo, ideias não faltam. A primeira é a de que seja um regime participativo, ou seja, em que as pessoas partilham do que são as atividades do dia a dia da quinta, quer seja na vertente agrícola ou na parte de tratar dos animais. Num futuro não tão próximo, planeiam adicionar a componente dos retiros, onde além de yoga ou meditação, gostariam de ter um programa específico para pessoas em burnout

A paixão pela agricultura é evidente em cada uma das palavras de Fernando, para quem tudo parece ser já palpável apesar de grande parte ainda estar a viver apenas em papel. No fundo é o que se chama uma floresta de comida. A ideia é daqui a 7/ 10 anos, que é o tempo da floresta, aquilo deixar de ter qualquer manutenção. A própria floresta torna-se autossuficiente. Conscientes de que a natureza tem o seu tempo próprio e que o mesmo deve ser respeitado, não pretendem de forma nenhuma condicioná-lo do seu normal funcionamento. Assim, a ideia é que nos primeiros anos continuem a trabalhar remotamente nas suas atuais áreas profissionais – já a viver  no Fundão – e que gradualmente lhes dediquem menos horas, até que as abandonem por completo, podendo assim estar 100% dedicados a este projeto. 

Cansados de um estilo de vida com que não se identificam, onde os estímulos parecem chegar-nos em catadupa e onde parar parece sempre sinónimo de falhar, anseiam pela vida bem mais leve e equilibrada que a quinta lhes permitirá alcançar. Estamos na fase da história humana documentada com maior taxa de burnout de sempre. Mas a verdade é que quando nós nos permitimos relaxar, desligar um bocadinho, já não há essa necessidade constante do estímulo só pelo estímulo. Uma coisa é certa, a partir do momento que abracem por completo a vida de campo, tudo isto deixarão de ser preocupações e o futuro será a passagem destes ensinamentos a todos os que se venham a cruzar com este projeto.