Histórias | Capítulo I Serra da Estrela

Ana Paula Almeida, New Hand Lab


O primeiro som que nos acolhe à chegada é o da força da água a correr da Ribeira da Carpinteira, exatamente nas costas do espaço New Hand Lab. Quem nos abre as portas é a Ana Paula Almeida, autora têxtil e um dos principais rostos por detrás deste projeto. Ana Paula casou com Francisco Afonso, atual proprietário deste espaço, e com esse casamento surge também este lugar e este projeto, a que carinhosamente chamam de filho. Fomos até ao seu atelier e o primeiro impacto é o de sermos inundados pela cor e pela diversidade dos materiais, o que traz a certeza de que aquele é um espaço de criação por natureza. Sentamo-nos confortavelmente num pequeno círculo e é aí que começamos a nossa conversa, apenas com o percurso da água lá fora como banda sonora. 

Esta fábrica foi construída sobre outra fábrica do século XVII e escavações puseram a descoberto aquela que será, provavelmente, a primeira manufatura de lã do país. A criação desta fábrica de lanifícios onde hoje nos encontramos remonta a 1853 pela mão de António Estrela, nome pela qual viria a ficar para sempre conhecida, mas é apenas em 1953 que Júlio Afonso, sogro de Ana Paula, começa a sua exploração, que se manteria de forma ininterrupta até 2002. Nesse ano a fábrica contava com apenas 40 empregados, mas Ana Paula explica-nos que nos seus tempos áureos eram mais de 300 a trabalhar em três turnos. Júlio Afonso foi distinguido com o prémio “Brilliant Pen 1976”, atribuído pelo Men’s Fashion Writers International, pela qualidade do seu trabalho e design, e viria a ser uma figura incontornável desta indústria enquanto debuxador e criativo.

Após vários anos fechados, em que continuaram a viver por cima da fábrica, por onde muitas vezes deambulavam, começou a surgir a certeza de que teriam de fazer algo que pudesse dar vida àquele espaço e acima de tudo homenagear a figura do pai de Francisco. Juntamente com esta vontade, surge também o repto por parte do Turismo do Centro, visto aquela fábrica representar uma parte tão importante da identidade da Covilhã. Por força dessas várias circunstâncias, a New Hand Lab ganha uma nova vida a 29 de junho de 2013, e as suas portas voltam finalmente a abrir-se. Os espaços só se mantêm vivos se tiverem gente. Podem ser muito bonitos, muito inspiradores, só que sem gente não há alegria nos espaços. Ana Paula conta-nos que, na escolha do nome, tiveram o cuidado de pensar o mercado externo, daí terem optado por ser em inglês, e que adicionalmente quiseram aliar três conceitos chave, o facto de ser um espaço novo por ir ali nascer algo diferente, as mãos ligadas a todos os trabalhos manuais, e o laboratório enquanto espaço de criação e de invenção. 

A Ana Paula nunca esteve diretamente ligada às artes, sendo a sua formação em Engenharia de materiais fibrosos, mas sempre foi uma pessoa curiosa e irrequieta, eu sempre tive algum jeito de mãos, sou de uma geração que aprendia na escola lavoures, dos quais eu não gostava, mas aos 8 anos comecei a aprender a fazer tricot e crochet e gostava, mas grande parte  da minha aprendizagem vem só desde que me liguei a esta família. Hoje, alia a sua profissão enquanto professora na Universidade da Beira Interior, no departamento de Química, com o trabalho que desenvolve na fábrica, durmo pouco mas sou muito feliz. Também não tenho filhos, mas o nosso filho é este que vocês vão ver. A quantidade infindável de matérias primas que sobrevivem na fábrica, e que segundo nos conta durariam para várias vidas, fez com que rapidamente colocasse mãos à obra. Começou por criar uma série de bonecos a que chamou de “Petrus” e foi trilhando o seu caminho enquanto autora têxtil, estando hoje envolvida num projeto de candeeiros, que orgulhosamente nos mostra. Uma das minhas principais preocupações é a de reutilizar e dar um valor acrescentado, aproveitar tudo, não deitar nada fora.

Desde a sua abertura em 2013, o New Hand Lab passou a receber não só visitantes como autores. O estilista de moda Miguel Gigante foi alguém que esteve envolvido no projeto desde esse primeiro momento, mas ao longo dos anos foram inúmeros os autores que ali foram passando, desde bandas de jazz a pintores, designers gráficos ou fotógrafos. Hoje, é um espaço aberto a residências artísticas, realização de workshops, mas também uma espécie de galeria, onde se podem ver diferentes peças e instalações (muitas delas com recurso a materiais que restaram da fábrica), mas também espetáculos de música, teatro ou ballet. Esta combinação de artes e talentos faz com que ali já tenham nascido momentos únicos, como um concerto onde os protagonistas foram um tear, um violino e um violoncelo. 

Hoje, é a Fábrica António Estrela / Júlio Afonso quem dá o corpo ao New Hand Lab  enquanto espaço de expressão livre e criativa e pólo agregador de artes e talentos. Ana Paula conta-nos que enquanto professora o confinamento não foi bom, mas que enquanto autora foi ótimo. Fez vários cursos online, aprendeu novas técnicas para trabalhar os fios e percebeu que a paixão que lhe vai crescendo por estas criações é tal que não existe sequer a sensação de cansaço, que, pelo contrário, o difícil se torna perceber quando deve deixar a fábrica, subir até sua casa e dormir.
Quando a questionamos sobre a possibilidade de viver noutro lugar, experiência que teve apenas início da sua carreira, confessa que é algo que, nos dias de hoje, não consegue imaginar. Viver em cidades de pequena dimensão como a Covilhã permite-me demorar cinco minutos para chegar à universidade. A gestão de tempo é muito importante e quem vive aqui consegue gerir melhor o tempo, criar melhor, trabalhar melhor. Adoro ir a Lisboa ou ao Porto, e adoro o mar, mas gosto de ir e voltar para a Serra, para esta proteção da montanha.